sexta-feira, 24 de julho de 2015

O capital num rápido histórico


O capital comercial já era poderoso militarmente inclusive na antiguidade. A Grécia, por exemplo era uma talassocracia, em que o comércio, a pirataria e a guerra eram fundamentais (Aristóteles falava em crematística, a arte de multiplicar dinheiro). O comércio marítimo já era capitalista, mas a produção era ainda pré-capitalista. Assim, o capital existia, mas de maneira marginal como pilhagem exterior aos meios de produção, dos quais a população (mesmo os escravos*) não era separada. É claro que, com as armas de fogo (ao fim da Idade Média), o capital comercial ficou cada vez mais poderoso (em sequência, os impérios: Veneza, Gênova, Espanha, Holanda e Inglaterra), porém isso foi apenas uma questão de grau, e o capital comercial permaneceu capital comercial (esse "capitalismo" se resumia a entrepostos comerciais, concentrados em algumas cidades-estados, que controlavam militarmente rotas comerciais através de companhias, i.e, empresas militares, como a VOC). 


Completamente diferente é o capital industrial, que é novidade na história (século XVIII). Este tipo de capital é o que tomou a produção a seu cargo (subsunção formal e depois real). Isso só foi possível com a sistemática separação da população de suas condições de produção (primeiramente num lugar preciso, a Inglaterra, depois, no resto do mundo), de modo a haver um exército de infelizes sem nenhum meio de sobreviver senão vendendo a si mesmos (proletariado). Com essa separação, o capital industrial fica livre para revolucionarizar incessantemente a produção (manufatura, grande industria, gestão científica do trabalho, logística, transporte, automação, robótica...), e se expandir tanto extensamente, para o mundo todo (impondo pela concorrência a revolucionarização incessante e proletarização por toda parte), quanto intensamente, ao ir transformando campos cada vez mais radicais da existência humana em capital industrial (por exemplo, novas necessidades, até "educação", "cultura", "amor"...).


Assim, o mercado e a valorização incessante só se tornam sistematicamente "relevantes" com o aparecimento do proletariado, que é obrigado a comprar tudo o que necessita, já que não tem meios de vida, e é obrigado, para poder comprar, a vender a única coisa que possui, ou seja, a si mesmo, oferecendo-se como objeto de consumo (força de trabalho) no mercado de trabalho, que o capitalista só emprega evidentemente se ele produzir mais do que custa (mais-valia). Antes do capital industrial, ou seja, antes do proletariado, o mercado e a valorização só eram "relevantes" em circunstâncias pontuais, acidentais, não-sistemáticas (por ex., a Grécia era uma terra infértil, daí a importância do comércio, ou um ou outro indivíduo era banido pelos senhores de suas terras e ia servir nos navios do capital comercial).


Resumidamente: o capital industrial, ao privar os seres humanos de suas condições de existência (fazendo surgir o proletariado), força a humanidade a se sujeitar e oferecer as capacidades humanas como coisas, objetos de consumo. Pois, privados de suas condições de existência, eles só podem exercer suas capacidades quando alienadas, vendidas, ou seja, apenas quando trocadas por uma dada soma de dinheiro (trabalho assalariado). O dinheiro se torna equivalente à potência humana, enquanto os seres humanos se tornam impotentes como simples seres humanos, impotentes como indivíduos. Portanto, aqueles que mais tiverem dinheiro mais terão sob seu ditame a potência criativa da população, e poderão consumi-la, pô-la para trabalhar, desgastando-a até o osso, para gerar ainda mais dinheiro, lucro, num círculo de acumulação constante e sem limite. Este é o capital - uma relação social que  impulsiona a si mesma a se reproduzir numa expansão cega e arrasadora, como se fosse um fato natural, involuntário, coisal, para os indivíduos envolvidos, pois estes pensam estarem apenas se relacionando entre si como pessoas livres e iguais que trocam mercadorias uns com os outros (todos agem como "classe média": vendedores e compradores em concorrência - uns com mais "sucesso" na venda e/ou compra, outros com menos e ainda outros com ainda menos e por aí vai). 


Mas a história não acaba aí. Não nos enganemos com o papo furado das "classes médias". Hoje numa escala muito maior do que no passado, a privação das condições de existência dos seres humanos para eles mesmos continua forçando-os, sob a ameaça de não ter como sobreviver, a ter que vender as capacidades criativas humanas como uma coisa e exercê-las transformando o mundo contra si mesmos. A luta por tomarmos nossas condições de existência, a luta por efetuarmos nossas capacidades como nós mesmos, como indivíduos livres em associação através do mundo, ou seja, a luta pelo fim da propriedade privada (pelo fim do capital e do Estado), continua o projeto social mínimo chamado anarquia, comunismo, livre associação dos produtores. 


Humanaesfera, julho de 2015


* O escravo produz um excedente - afinal ele sustenta a casta senhoril. A diferença é que este excedente não precisava ser necessariamente vendido (pois só se torna mais-valia quando vendido) e muito menos o senhor necessitava que essa venda fosse lucrativa, uma vez que o objetivo primário dos senhores ao ter escravos era satisfazer suas necessidades, com ênfase em luxo dispendioso, festas luxuosas para dar-lhe status - em suma, despesas improdutivas do ponto de vista capitalista.
Há uma tendência no capitalismo para automatizar o trabalho, transformando coisas que antes eram feitas por humanos em funções automáticas. Isso causa desemprego e nos força a ter que procurar trabalhar ainda mais por ainda menos. Face a isso, a singela exigência do proletariado é: a máxima automatização de tudo e a propriedade comum de tudo o que é automatizado.



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