quinta-feira, 24 de abril de 2014

Trechos do rascunho de um artigo sobre o livro de Friedrich List: Das Nationale System der Politischen Oekonomie, por Karl Marx (março de 1845)

Tradução para o português por Humanisfera a partir do inglês (fonte: Draft of an Article on Friedrich List’s book: Das Nationale System der Politischen Oekonomie).




[Sobre a abolição do trabalho:] 

“[...] o trabalhador é o escravo do capital, ele é uma “mercadoria”, um valor de troca cujo nível mais alto ou mais baixo, cuja alta ou baixa, depende da concorrência, da oferta e da procura; [...] sua atividade não é uma livre manifestação de sua vida humana, mas é, sim, uma mascatear de suas forças, uma alienação (venda) para o capital de suas habilidades unilateralmente desenvolvidas, em suma,  ela é “trabalho”. Esquece-se disso. O “trabalho” é a base viva da propriedade privada, é a propriedade privada enquanto fonte criativa de si mesma. A propriedade privada não passa de trabalho objetivado. Se desejamos dar um golpe mortal na propriedade privada, é preciso atacá-la não apenas enquanto um estado de coisas material, mas também como atividade, como trabalho. É um dos maiores equívocos falar em trabalho livre, humano, social,  trabalho sem propriedade privada. O “trabalho  por sua própria natureza é atividade não livre, desumana, não social, determinada pela propriedade privada e criadora da propriedade privada. Por isso, a abolição da propriedade privada se tornará uma realidade somente quando ela for concebida como abolição do “trabalho” (uma abolição que, é claro, só se tornou possível como resultado do próprio trabalho, ou seja, tornou-se possível como resultado da atividade material da sociedade e que em nenhum caso deve ser concebida como a substituição de uma categoria por outra). Uma “organização do trabalho”, portanto, é uma contradição nos termos. A melhor organização que ao trabalho pode ser dada é a atual organização, a livre concorrência, a dissolução de toda a sua prévia organização aparentemente “social”.”


[Contra o nacionalismo:]

“O burguês diz: é claro, a teoria dos valores de troca não deve ser questionada dentro do país, a maioria, na nação, deve permanecer um mero “valor de troca”, uma “mercadoria” que deve encontrar seu próprio comprador, e que não é vendida, mas que vende a si mesma. Em relação a vocês proletários, e até mesmo em nossas relações mútuas, consideremos a nós mesmos como valores de troca, aqui a lei da venda universal é válida. Mas em relação a outras nações, devemos interromper a operação dessa lei. Como uma nação, não podemos nos vender a outras nações. [...]”


“Então, o que o filisteu alemão quer? Ele quer ser um burguês, um explorador, dentro do país, mas ele também quer não ser explorado fora do país. Ele se infla como “nação” em relação aos países estrangeiros e diz: eu não me submeterei às leis da concorrência; isso seria contrário à minha dignidade nacional; enquanto nação, sou superior ao mascateio.


A nacionalidade do trabalhador não é nem francesa, nem inglesa, nem alemã - é o trabalho, a escravidão livre, a venda de si mesmo. Seu governo não é nem francês, nem inglês, nem alemão - é o capital. Seu ar nativo não é nem francês, nem alemão nem Inglês - é o ar da fábrica. A terra que lhe pertence não é nem francesa, nem inglesa, nem alemã, ela está alguns palmos debaixo do solo. [...]”


“Ele [o burguês] está disposto a reconhecer a força da sociedade burguesa só na medida em que essa força está de acordo com os seus interesses, os interesses de sua classe! Ele não quer ser vítima de uma força a qual ele quer sacrificar outros, e para a qual ele se sacrifica dentro de seu próprio país! [...]


Provar-lhe-emos [ao burguês] que a venda de si mesmo dentro do país tem como conseqüência necessária a venda fora, que a concorrência, que dá-lhe poder dentro do país, não pode impedi-lo de se tornar impotente fora do país; que o Estado, que subordina à sociedade burguesa dentro do país, não pode protegê-lo da ação da sociedade burguesa fora do país.


Por mais que o burguês individual lute contra os outros, enquanto classe o burguês têm um interesse comum, e essa comunidade de interesse, que é dirigida contra o proletariado dentro do país, é dirigida contra a burguesia de outras nações fora do país. É isto que o burguês chama de nacionalidade.”


[A indústria invoca potências que a superam - forças naturais, forças produtivas e proletariado]

“A indústria pode ser considerada como uma grande oficina em que o homem primeiro toma posse de suas próprias forças e das forças da natureza, se objetiva e cria para si mesmo as condições para uma existência humana. Quando a indústria é considerada desta forma, abstraímos as circunstâncias em que ela opera hoje, e nas quais existe como indústria; nosso ponto de vista não está no interior da época industrial, mas sobre ela; a indústria é considerada não pelo que ela é para o homem de hoje, mas pelo que hoje o homem é para a história humana, o que ele é historicamente; não é a sua existência atual (não a indústria como tal) que é reconhecida, mas sim a potência que a indústria tem sem saber ou querer e que a destrói e cria a base para uma existência humana.[...]”


“Esta apreciação da indústria é, ao mesmo tempo, o reconhecimento de que é chegada a hora de acabar com ela, ou da abolição das condições materiais e sociais em que a humanidade tinha que desenvolver suas habilidades como um escravo. Pois desde que a indústria não é mais considerada como um interesse mercantil, mas como o desenvolvimento do homem,  é o homem, no lugar do interesse mercantil, que é tornado princípio, e àquilo que na indústria pode se desenvolver apenas em contradição com a própria indústria é dado a base que está em harmonia com o que está para ser desenvolvido.”


“A escola de Saint-Simon deu-nos um exemplo instrutivo do que ocorre quando a força produtiva que a indústria cria inconscientemente e contra a sua vontade é creditada à indústria atual e as duas coisas são confundidas: a indústria e as forças que a indústria traz à existência inconscientemente e sem a sua vontade, mas que só se tornarão forças humanas, a potência do homem, quando a indústria for abolida. [...]  As forças da natureza e as forças sociais que a indústria traz à existência (que ela invoca) tem com ela a mesma relação que o proletariado tem. Hoje eles ainda são os escravos do burguês, que não vê neles nada além de instrumentos (os suportes) de sua cobiça suja (egoísta) pelo lucro; amanhã eles vão quebrar suas cadeias e se revelar como os portadores do desenvolvimento humano que vai lançá-los pelos ares junto com sua indústria, que assume essa casca suja exterior - que ele considera como a sua essência - só até que o núcleo humano ganhe força suficiente para estourar esta carapaça e aparecer em sua forma própria. Amanhã eles arrebentarão as cadeias pelas quais o burguês os separa do homem e assim os distorce (transforma) de um vínculo social real em grilhões da sociedade.


A escola de Saint-Simon glorificou em ditirambos a força produtiva da indústria. As forças que a indústria chama a existir ela confundiu com a própria indústria, isto é, com as condições atuais de existência que a indústria dá a essas forças. [...] O primeiro passo para quebrar o encantamento com indústria foi abstrair as condições, os grilhões do dinheiro, em que as forças da indústria operam hoje e examinar essas forças em si mesmas. Este foi o primeiro chamado para o povo emancipar sua indústria da venda e compreender a indústria de hoje como uma época de transição. [...].  

Eles [os saint-simonianos] chegaram  [...] a atacar o valor de troca, a propriedade privada, a organização da sociedade atual. Eles propuseram a associação no lugar da competição. Mas eles foram punidos por seu erro original. Não somente a confusão acima mencionada os levou à ilusão ainda maior de ver no burguês sujo um sacerdote, mas também fez com que eles, após as primeiras lutas externas, voltassem a cair na velha ilusão (confusão) - mas agora hipocritamente, porque precisamente no curso da luta a contradição das duas forças que haviam confundido tornou-se manifesta. Sua glorificação da indústria (das forças produtivas da indústria) tornou-se glorificação da burguesia, e Monsieur Michel Chevalier, Monsieur Duveyrier, Monsieur Dunoyer ridicularizaram a si mesmos e à burguesia, aos olhos de toda a Europa - após o que os ovos podres que história lançou na cara deles transformaram-se pela magia da burguesia em ovos de ouro, uma vez que o primeiro dos nomeados acima reteve as velhas frases, mas preenchidas com o conteúdo do regime burguês atual, o segundo é ele próprio engajado no mascateio em uma escala de atacado e preside a venda de jornais franceses, enquanto o terceiro se tornou o apologista mais raivoso do atual estado de coisas e supera em desumanidade (em falta de vergonha) todos os economistas ingleses e franceses do passado.”

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